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As 4 correntes de interpretação da sobre-estadia – Cláusula penal

Dando continuidade na nossa série de postagens sobre as correntes de interpretação da sobre-estadia, abordaremos neste capítulo a Cláusula Penal como uma das vertentes de análise.

A Cláusula Penal, dentro do contexto da sobre-estadia, impõe que para a cobrança de valores devidos pelo atraso na devolução de contêineres, seja necessária a demonstração de culpa por parte do importador ou do exportador. Isso significa que a responsabilidade não é objetiva; pelo contrário, é subjetiva, exigindo a prova de elementos como imprudência, imperícia ou negligência.

Elementos da culpa Quando falamos de culpa, consideramos três elementos fundamentais:

  1. Imprudência: Refere-se à falta de cautela, ao agir de maneira precipitada ou sem a devida atenção às consequências.
  2. Imperícia: Diz respeito à ausência de habilidade técnica ou conhecimento necessário para realizar uma determinada tarefa de forma adequada.
  3. Negligência: Trata-se da falta de cuidado ou precaução, a omissão de medidas que deveriam ter sido tomadas para evitar o atraso.

Para que o armador possa cobrar a sobre-estadia, ele precisa demonstrar que o atraso foi resultado de um desses três elementos. Apenas a demonstração do atraso não é suficiente; é necessário provar que o importador ou o exportador foi imprudente, imperito ou negligente.

Desafios e críticas Apesar de ser uma corrente interessante, a Cláusula Penal não é amplamente adotada no Brasil. Isso ocorre porque, na maioria dos casos, a sobre-estadia é tratada como demurrage, onde os valores são prefixados. Nesse contexto, os danos são pré-liquidados, eliminando a necessidade de apuração específica para cada caso de atraso. A prática de detention de contêiner, que poderia demandar essa análise detalhada, não é comum no Brasil devido à padronização dos valores.

Um argumento frequentemente utilizado contra a aplicação da Cláusula Penal é a complexidade envolvida na comprovação da culpa. Se o armador precisasse provar a culpa a cada vez que cobrasse a sobre-estadia, seria extremamente difícil obter indenização, dado o alto grau de dificuldade em demonstrar a imprudência, imperícia ou negligência do importador ou do exportador. A jurisprudência brasileira, reconhecendo essa dificuldade, consolidou um entendimento que dispensa a necessidade de prova de culpa para a cobrança da sobre-estadia, favorecendo uma abordagem mais objetiva.

Implicações práticas

A Cláusula Penal, ao exigir a demonstração de culpa, torna-se uma corrente menos prática no contexto da sobre-estadia no Brasil. A necessidade de provar a responsabilidade subjetiva em cada caso adiciona uma camada de complexidade que pode ser onerosa e ineficiente. Por outro lado, a demurrage, com seus valores prefixados, oferece uma solução mais prática e rápida para a questão da sobre-estadia, facilitando a resolução de disputas e a compensação de danos de forma mais objetiva e direta.

Em resumo, enquanto a Cláusula Penal oferece uma abordagem rigorosa e detalhada para a responsabilidade na sobre-estadia, sua aplicação prática é limitada pela dificuldade de comprovação de culpa e pela preferência por soluções mais objetivas como a demurrage. A jurisprudência brasileira, ao afastar a necessidade de prova de culpa, reflete a busca por eficiência e praticidade na resolução de disputas relacionadas à sobre-estadia. Assim, a Cláusula Penal permanece uma corrente de interpretação interessante, mas pouco utilizada no dia a dia dos transportes marítimos no Brasil.