Automação é acelerada para acompanhar o movimento de setores beneficiados pela pandemia
A pandemia mudou o perfil das operações de logística no país, avaliam os empresários do setor. Enquanto algumas empresas sofreram muito durante o início da crise, como as do setor automotivo, de autopeças, linha branca e eletroeletrônicos, as vendas do comércio eletrônico, no primeiro semestre, por exemplo, chegaram a registrar um crescimento de 145%. Mas os protagonistas do cenário de logística, este ano, no Brasil, são mesmo as áreas de negócio da saúde humana, saúde animal, higienização e alimentos.
Consideradas atividades essenciais para a população, essas empresas não interromperam suas operações e mantiveram o transporte de suas encomendas durante a pandemia.
“Tivemos que fazer as adaptações necessárias, migrar estruturas e equipes de operações com menos demanda para aquelas mais aquecidas, como as de saúde e e-commerce”, conta Fábio Miquelin, diretor de transportes da DHL Suply Chain, empresa do Grupo Deutsche Post DHL, da Alemanha.
“A pandemia mudou o perfil de distribuição na cadeia de suprimentos. As vendas de alguns mercados, como moda e automóveis, por exemplo, caíram, por falta de compradores. De outro lado, itens básicos e de saúde tiveram picos de demanda”, explica. “Até em transportes, cresceram as oportunidades, uma vez que a malha aérea para passageiros diminuiu fortemente afetando também o transporte aéreo de cargas”, diz Miquelin.
O cenário atual, portanto, descarta o pessimismo, avaliam os empresários do setor de logística. Nos últimos anos, a receita anual de empresas operadoras logísticas cresceu 23,8%, de acordo com dados da Associação Brasileira de Operadores Logísticos (Abol). Pelo menos 275 empresas somaram R$ 100 bilhões de faturamento anual.
“Como o operador logístico é multisetorial, multiclientes, multifuncional, pode migrar, ao longo do primeiro semestre, de determinadas atividades menos atuantes para os setores que estavam crescendo e atendendo a demanda da sociedade”, afirma Cesar Meireles, presidente da Abol. “Além disso, houve um crescimento disruptivo do comércio eletrônico”, observa.
Na verdade, o e-commerce mudou um pouco de espectro. A predominância deixou de ser do business to business, compras entre empresas, e passou a ser para as pessoas físicas (business-to-consumer).
“O e-commerce é um dos pilares de crescimento da FedEx, terá papel fundamental no processo de fortalecimento do setor”, afirma Eduardo Araújo, diretor de logística da subsidiária brasileira. A empresa não fala em projeções, mas assinala que o faturamento global da FedEx Express no primeiro trimestre do ano fiscal 21 (que iniciou em junho) atingiu US$ 9,6 bilhões, US$ 702 milhões a mais (8%) do que no mesmo período do ano passado. “Foi um resultado histórico para um primeiro trimestre de ano fiscal”, afirma Araújo.
No Brasil, a FedEx cobre mais de 5.300 localidades, com uma frota própria de quase três mil veículos e está conectada com mais de 220 países e territórios. Em agosto, passou a realizar seis voos semanais, de ida e volta, entre o hub global da companhia, localizado em Memphis (EUA), e o aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP). É o segundo aumento de frequência desde junho, e o sexto voo nesta rota semanal. “A iniciativa visa atender ao atual aumento do comércio exterior, do e-commerce e apoiar os envios essenciais para combater a covid-19”, afirma Araújo.
O impacto da crise sanitária, certamente, não passou despercebido em segmentos de larga experiência na distribuição de encomendas e transporte de cargas rodoviárias.
Segundo Paulo Sarti, presidente da americana Penkse, alguns negócios foram duramente afetados pelo fechamento de fábricas, como o automotivo, por exemplo. “A paralisação da produção no segundo trimestre gerou uma queda significativa de volumes da indústria automobilística, em comparação a 2019”, relata Sarti.
“Tivemos uma diminuição acentuada do movimento de carga nos meses de março e abril, algo como 35% inferior ao de igual período do ano anterior”, afirma Giuseppe Lumare Júnior, diretor comercial da Braspress, transportadora de cargas fracionadas, que opera com uma frota própria de 2,1 mil caminhões, além de 800 veículos terceirizados.
No caso da multinacional francesa FM Logistics, que encerrou o exercício anterior com faturamento global de € 1,43 bilhão, o início do novo ano fiscal se configurou em um período mais desafiador. Em abril e maio de 2020, a companhia apresentou uma queda geral de 9% na receita em comparação ao mesmo período do ano passado, acompanhada de um aumento significativo nos custos operacionais relacionados às medidas de prevenção ao corona vírus, afirma Ronaldo Fernandes da Silva, presidente da FM Logistics do Brasil.
Os empresários ressaltam, no entanto, que mesmo com essa espiral de queda nos primeiro meses da pandemia, já é possível notar uma recuperação lenta, mas consistente, em diversos setores. “Estamos projetando um ligeiro crescimento este ano em comparação a 2019”, diz Sarti. “Para 2021, estamos bem otimistas, e já notamos um pipeline de novos projetos e solicitação de propostas, muito acima do que tínhamos no mesmo período de 2019”, afirma.
De acordo com a Braspress, o processo de recuperação segue firme. “Hoje o cenário se inverteu completamente”, destaca Lumare Junior. “O transporte de cargas não só se recuperou, como apresenta nesses últimos meses taxas de mais de 40% de crescimento real, o que permite antever um crescimento real no ano de 2020 na ordem de 10%”, declara.
“Mesmo com esse susto da pandemia – e ainda estamos no olho do furacão até se encontrar uma vacina – o Brasil é um mercado-chave para os negócios e a nossa expectativa é dobrar o faturamento regional até 2022”, completa o presidente da FM Logistics.
As empresas tiveram que rever seus modelos de negócio e a forma de se conectar com seus mercados e clientes, adotando novos padrões de saúde e segurança, destaca Alexandre Heitmann, diretor de desenvolvimento de negócios da catarinense Multilog.
A digitalização, por exemplo, é um caminho sem volta. A primeira iniciativa foi a liberação de cargas de forma on-line. “Graças à inovação, o processo de desembaraço de cargas essenciais ficou mais ágil e até 75% mais rápido”, aponta Haitman. “A empresa já vinha se reinventando, revisitando seu modelo de negócio e também já estava em um processo de digitalização há algum tempo. Isso ajudou muito a enfrentar esta fase”, afirma.
As novas necessidades da mobilidade urbana aceleraram, de fato, o movimento de adoção da digitalização ainda maior no setor de logística, avalia Jean-Urbain Hubau, diretor-geral de frota e soluções de mobilidade da Edenred Brasil, grupo francês que fornece soluções transacionais de mobilidade. Uma das soluções da empresa, o marketplace Freto, teve um aumento de 47% no cadastro de veículos (frotistas, cooperativas e caminhoneiros), nos últimos 12 meses.
São 150 mil toneladas de cargas transportadas em média por dia no Brasil. Mais 100 mil caminhoneiros utilizam o serviço. O Ticket Log, outro sistema de gestão para frotas urbanas, atende mais de 30 mil empresas-clientes e administra por ano um milhão de veículos. O Tmov, marketplace digital da Soltran Logística, voltado ao agronegócio, possui mais de 200 mil caminhoneiros que atuam no transporte de cargas deste segmento de negócio, conectados à sua base de dados, informa Charlie Conner, presidente da empresa no Brasil.
A automação e a transformação digital são hoje fatores primordiais para as empresas que atuam no segmento de logística. A FM Logistics, por exemplo, investe anualmente, mais de € 70 milhões em tecnologia e inovação para garantir, cada vez mais, agilidade e confiabilidade às suas operações, destaca Fernandes da Silva. Para 2020, em torno de 12% do faturamento anual da subsidiária brasileira será destinado para o investimento na renovação da tecnologia de sistema de informação e de gerenciamento de armazéns e na abertura de novas operações.
A Ativa Logística tem previsões para investimentos em infraestrutura operacional, informa Marcelo Azevedo, gerente nacional de operações. O objetivo é reforçar o atendimento em um mercado crescente nos últimos anos: o de logística hospitalar. Entre 2018 e 2019, a companhia investiu mais de R$ 50 milhões para promover melhorias em sua infraestrutura, incluindo renovação de frota e tecnologia. “Já no início de 2021, teremos um novo CD totalmente preparado para o mercado de saúde”, diz.
Para Adriano Thiele, diretor executivo da JSL, um dos maiores conglomerados do setor brasileiro de logística, o ano de 2020 está sendo extremamente desafiador para todos. Para os operadores logísticos não é diferente, ressalta. “A pandemia surpreendeu a todos e impactou os negócios, sobretudo no primeiro semestre. Podemos dizer que estamos passando por esse período desafiador com bastante resiliência”, afirma. Um dos grandes diferenciais do grupo, segundo Thiele, é o fato de a JSL ser hoje uma empresa bastante diversificada, com amplo portfólio de serviços e que opera em 16 diferentes setores da economia. “O impacto de um setor com baixo desempenho acaba sendo minimizado por outro setor com um desempenho melhor”, diz.
A JSL aposta também na estratégia de crescer com ações de fusões e incorporações. Trata-se de um movimento para ganhar capilaridade em diferentes regiões do país, por meio da compra de uma empresa que tenha expertise nas localidades. Só em agosto, foram duas novas aquisições: a Moreno Holding, dona da Transmoreno Transporte e Logística, que atua nos segmentos de transporte de veículos sobre carretas (cegonhas) e prestação de serviços de logística automotiva, foi adquirida por R$ 310 milhões. E a Fadel, empresa paulista que opera nas regiões Sul, Sudeste, Nordeste e também no Paraguai, comprada por R$ 159,4 milhões. “Não falamos a respeito de projeções de crescimento por sermos uma empresa de capital aberto, mas percebemos que há sinais de retomada bastante rápida na economia na maioria dos setores. Estamos muito animados e otimistas para 2021”, afirma Thiele.
Fonte: Valor